quarta-feira, 27 de março de 2024

Entrevista com Pe Gabriele Amorth sobre infiltração do Maligno na Igreja

Pe Gabriele Amorth (in memorian) faz algumas considerações a respeito do Concílio Vaticano II e muitas revelações sobre a infiltração do maligno na igreja.

1. Padre Amorth, está pronta finalmente a tradução italiana do novo Ritual para os exorcistas...
GABRIELE AMORTH: Sim, está pronta. No ano passado a Conferência Episcopal não quis aprová-la porque havia erros de tradução do latim. E nós, os exorcistas, que deveríamos utilizá-la, aproveitamos para indicar uma vez mais que discordávamos sobre muitos pontos do novo Ritual. O texto base em latim continua sem mudanças nesta tradução. E um Ritual tão esperado no fim transformou-se numa burla. Um incrível empecilho que ameaça impedir agirmos contra o demônio.
 
2. Uma acusação pesada. O Sr. se refere a quê?
GABRIELE AMORTH: Faço-lhe dois exemplos somente. Clamorosos. No ponto 15 fala-se dos malefícios e de como comportar-se nesse caso. O malefício é um mal causado a uma pessoa recorrendo ao diabo. Pode ser feito em diversas formas, como feitiços, maldições, maus-olhados, vodu, macumba. O Ritual Romano explicava como enfrentá-lo. O novo Ritual, ao contrário, afirma categoricamente que há uma proibição absoluta de fazer exorcismos nesses casos. Absurdo. Os malefícios são de longe a causa mais freqüente de possessões e males causados pelo demônio: não menos de 90 por cento. É como dizer aos exorcistas que não ajam mais. O ponto 16 então afirma que não se devem fazer exorcismos se não existe a certeza da presença diabólica. Esta é uma obra-prima de incompetência, pois se tem a certeza da presença do demônio numa pessoa só fazendo o exorcismo. Ademais, os responsáveis não perceberam que contradiziam nos dois pontos o Catecismo da Igreja Católica, que indica o exorcismo seja no caso de possessões diabólicas seja no caso de males causados pelo demônio. E diz também para ser feito tanto com pessoas quanto com coisas. E nas coisas não existe nunca a presença do demônio, existe só a sua influência.
As afirmações contidas no novo Ritual são gravíssimas e muito danosas, fruto de ignorância e inexperiência.
 
3. Mas não foi elaborado por especialistas?
GABRIELE AMORTH: De forma alguma. Nestes dez anos trabalharam com o Ritual duas comissões: uma composta por cardeais, que cuidou dos "prenotanda", ou seja, das disposições iniciais; e outra, que cuidou das orações. Posso afirmar com certeza que nenhum dos membros das duas comissões fez exorcismos nem assistiu a exorcismos nem teve a menor idéia do que são os exorcismos.
Este é o erro, o pecado original, desse Ritual. Nenhum dos que colaboraram era especialista em exorcismos.

4. Como é possível?
GABRIELE AMORTH: Não me pergunte. Durante o Concílio Vaticano II cada comissão era coadjuvada por um grupo de especialistas que apoiava os bispos. E o costume manteve-se também depois do Concílio, cada vez que se refizeram partes do Ritual Romano. Mas não neste caso. E se havia um tema no qual eram necessários especialistas, era este.
 
5. E em vez disso?
GABRIELE AMORTH: Em vez disso, nós, os exorcistas, nunca fomos consultados. Além do mais, as sugestões que demos foram recebidas com mal-estar pelas comissões.
A história é paradoxal. Quer que eu lhe conte?
 
Claro.
GABRIELE AMORTH: À medida que, como tinha pedido o Concílio Vaticano II, as várias partes do Ritual Romano eram revisadas, os exorcistas aguardavam que viesse tratado também o título XII, isto é, o Ritual dos Exorcismos. Mas evidentemente não era considerado um tema relevante, dado que passavam-se os anos e não acontecia nada. Depois, de repente, dia 4 de junho de 1990, saiu o Ritual "ad interim", experimental. Foi uma verdadeira surpresa para nós, que nunca tínhamos sido consultados. Todavia, já fazia tempo que tínhamos preparado alguns pedidos com relação a uma revisão do Ritual; pedíamos, entre outras coisas, o retoque das orações, colocando invocações a Nossa Senhora que faltavam completamente, e o aumento de orações específicas, mas fomos completamente afastados da possibilidade de dar qualquer contribuição.
Mas não desanimamos porque o texto tinha sido feito para o nosso uso.
Dado que na carta de apresentação o então prefeito da Congregação para o Culto Divino, o cardeal Eduardo Martínez Somalo, pedia às conferências episcopais que enviassem num prazo de dois anos "conselhos e sugestões dadas pelos sacerdotes que o terão usado", pusemo-nos a trabalhar.
Reuni 18 exorcistas, escolhidos entre os mais experientes do planeta.
Examinamos com grande atenção o texto. Nós o usamos. Elogiamos logo a primeira parte, na qual eram resumidos os fundamentos evangélicos do exorcismo, o aspecto bíblico-teológico, no qual naturalmente não faltava competência, uma parte nova com relação ao Ritual de 1614, composto por Paulo V. Ademais, naquela época não havia necessidade de lembrar esses princípios, por todos reconhecidos e aceitos. Hoje, porém, é indispensável.
Mas quando passamos a examinar a parte prática, que requer um conhecimento específico do tema, manifestou-se a total inexperiência dos redatores.
As nossas observações foram copiosas, artigo por artigo, e fizemo-las chegar a todas as partes interessadas: Congregação para o Culto Divino, Congregação para a Doutrina da Fé, conferências episcopais. Uma cópia foi entregue diretamente ao Papa em mãos.
 
6. Como foram acolhidas as suas observações?
GABRIELE AMORTH: Acolhida péssima, eficácia nula. Tínhamo-nos inspirado na "Lumen gentium", na qual a Igreja é descrita como "Povo de Deus". No número 28 fala-se da colaboração dos sacerdotes com os bispos, no número 37 diz-se com clareza, inclusive com relação aos leigos, que "segundo a ciência, a competência e o prestígio de que gozam, têm a faculdade, aliás às vezes também o dever, de manifestar o seu parecer sobre coisas que concernem ao bem da Igreja". Era exatamente o nosso caso. Mas nós imaginávamos, ingenuamente, que as disposições do Vaticano II tivessem chegado às congregações romanas. Ao contrário, encontramos de frente um muro de rechaço e desprezo. O secretário da Congregação para o Culto Divino fez um relatório à comissão cardinalícia na qual dizia que os seus únicos interlocutores eram os bispos, e não os sacerdotes ou os exorcistas. E acrescentava textualmente, a propósito da nossa humilde tentativa de ajuda como peritos que exprimem o seu parecer: "Vemos o fenômeno dum grupo de exorcistas e supostos demonólogos, esses que logo se constituíram numa Associação Internacional, que orquestrava uma campanha contra o rito". Uma acusação indecente: nós jamais orquestramos campanha alguma! O Ritual era dirigido a nós, e nas comissões não tinham convocado nenhuma pessoa competente, era mais do que lógico que tentássemos dar a nossa contribuição.
 
7. Mas então quer dizer que o novo Ritual é para os senhores imprestável na luta contra o demônio?
GABRIELE AMORTH: Sim. Queriam entregar-nos uma arma com defeito. Foram canceladas as orações eficazes, orações que tinham doze séculos de história, e foram criadas outras, ineficazes. Mas felizmente no último momento tivemos um salva-vidas.
 
8. Qual?
GABRIELE AMORTH: O novo prefeito da Congregação para o Culto Divino, o cardeal Jorge Medina, anexou ao Ritual uma notificação, na qual afirma que os exorcistas não estão obrigados a usar este Ritual, mas se querem podem usar o antigo com permissão do bispo. Os bispos devem pedir autorização à Congregação, que no entanto, como escreve o cardeal, "a concede de boa vontade".
 
9. "Concede-a de boa vontade"? É uma concessão bem estranha...
GABRIELE AMORTH: Quer saber de onde vem? Duma tentativa feita pelo cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da Congregação para a doutrina da Fé, e pelo próprio cardeal Medina para introduzir no Ritual um artigo - então era o artigo 38 no qual se autorizavam os exorcistas a usar o Ritual precedente. Sem dúvida tratava-se duma manobra extrema para evitarmos os grandes erros que há nesse Ritual definitivo. Mas a tentativa dos dois cardeais foi reprovada.
Então o cardeal Medina, que tinha compreendido o que estava em jogo, decidiu dar-nos de qualquer forma este salva-vidas, acrescentando uma notificação em separado.
 
10. Como são considerados os exorcistas dentro da Igreja?
GABRIELE AMORTH: Somos muito mal tratados. Os irmãos sacerdotes que são encarregados dessa delicadíssima tarefa são vistos como doidos, fanáticos. Em geral quase não são tolerados nem pelos bispos que os nomeiam.
 
11. Qual o fato mais clamoroso dessa hostilidade?
GABRIELE AMORTH: Tivemos um convênio internacional de exorcistas perto de Roma.
Pedimos para ser recebidos pelo Papa. Para não dar a ele o peso de somar outra audiência às tantas que já dá, pedimos simplesmente para ser recebidos na audiência pública das quartas-feiras na Praça de São Pedro.
Inclusive sem que fosse preciso mencionar-nos nas saudações. Fizemos o devido pedido, como lembrará perfeitamente Mons. Paolo De Nicolò, da Prefeitura da Casa Pontifícia, que acolheu de braços abertos o nosso pedido. Um dia antes da audiência porém o próprio Mons. De Nicolò disse-nos - na verdade com grande constrangimento, pelo que se viu muito bem que a decisão não dependia dele - que não viéssemos, não éramos admitidos. Incrível: 150 exorcistas provenientes dos cinco continentes, sacerdotes nomeados pelos seus bispos segundo as normas do direito canônico, que requerem padres de oração, ciência e boa fama - portanto mais ou menos a fina-flor do clero -, pedem para participar duma audiência pública do Papa e são enxotados. Mons.
De Nicolò disse-me: "Naturalmente prometo que lhe enviarei logo uma carta com os motivos". Passaram-se cinco anos, e ainda estou a esperar essa carta.
Certamente não foi João Paulo II a excluir-nos. Mas que seja proibido a 150 sacerdotes participar duma audiência pública do Papa na Praça de São Pedro explica o quanto são dificultados os exorcistas pela sua Igreja, quanto são mal vistos por tantas autoridades eclesiásticas.
 
12. O Sr. combate o demônio cotidianamente. Qual é o maior sucesso de Satanás?
GABRIELE AMORTH: Conseguir que não creiam na sua existência.
Quase conseguiu.
Também dentro da Igreja. 
Temos um clero e um episcopado que já não crêem no demônio, nos exorcismos, nos males extraordinários que o diabo pode fazer, e tampouco no poder que Jesus concedeu de expulsar os demônios.
Há três séculos que a Igreja latina - ao contrario dos orientais e de várias confissões protestantes - abandonou quase completamente o ministério dos exorcismos. Sem praticá-los, estudá-los nem vê-los, o clero já não crê.
Já não crê tampouco no diabo. Temos inteiros episcopados contrários aos exorcismos. Há nações completamente carentes de exorcistas, como a Alemanha, a Áustria, a Suíça, a Espanha e Portugal. Uma carência assustadora.
 
13. Não citou a França. Lá a situação é diferente?
GABRIELE AMORTH: Há um livro escrito pelo mais conhecido exorcista francês, Isidoro Froc, intitulado: "Os exorcistas, quem são e que fazem". O volume, traduzido em italiano pela editora Piemme, foi escrito por encargo da Conferência Episcopal Francesa. Em todo o livro jamais se diz que os exorcistas, em certos casos, fazem exorcismos. E o autor declarou várias vezes à televisão francesa que nunca fez exorcismos e que nunca os fará.
Entre cem exorcistas franceses só cinco crê no demônio e fazem exorcismos.
Todos os outros mandam quem se dirige a eles ao psiquiatra.
Os bispos são as primeiras vítimas dessa situação da Igreja Católica, da qual está desaparecendo a crença na existência do demônio. Antes de sair esse novo Ritual, o episcopado alemão escreveu uma carta ao cardeal Ratzinger em que afirmava que não era necessário um novo Ritual, porque já não se devem fazer exorcismos.
 
14. É dever dos bispos nomear exorcistas?
GABRIELE AMORTH: Sim. Quando um sacerdote é eleito bispo, encontra-se ante um artigo do Código de Direito Canônico que lhe dá autoridade absoluta para nomear exorcistas. A um bispo o mínimo que se pode pedir é que tenha assistido pelo menos a um exorcismo, dado que deve tomar uma decisão tão importante.
Infelizmente, não acontece quase nunca. Mas se um bispo se encontra ante uma solicitação séria de exorcismo - ou seja, feita não por um maluco - e não toma providências, comete pecado mortal. E é responsável por todos os terríveis sofrimentos daquela pessoa, que às vezes duram anos ou uma vida, e que teria podido impedir.
 
15. Está dizendo que a maior parte dos bispos da Igreja católica está em pecado mortal?
GABRIELE AMORTH: Quando eu era pequeno o meu velho pároco ensinava-me que os sacramentos são oito: o oitavo é a ignorância. E o oitavo sacramento salva mais que os outros sete juntos. Para cometer pecado mortal é preciso uma matéria grave mas também o pleno conhecimento e o deliberado consentimento.
Essa omissão de ajuda por parte de muitos bispos é matéria grave. Mas esses bispos são ignorantes: não há portanto deliberado consentimento e pleno conhecimento.
 
16. Mas a fé permanece intacta, isto é, permanece uma fé católica, se alguém não crê na existência de Satanás?
GABRIELE AMORTH: Não. Conto-lhe um episódio. Quando encontrei pela primeira vez o Pe.
Pellegrino Ernetti, um célebre exorcista que exerceu o ministério por quarenta anos em Veneza, disse-lhe: "Se eu pudesse falar com o Papa eu lhe diria que encontro demasiados bispos que não crêem no demônio". Na tarde seguinte o Pe. Ernetti veio até mim para me dizer que de manhã tinha sido recebido por João Paulo II. "Santidade", dissera-lhe, "há um exorcista cá em Roma, Pe. Amorth, que se o visse lhe diria que conhece demasiados bispos que não crêem no demônio". O Papa respondeu-lhe, taxativo: "Quem não crê no demônio não crê no Evangelho". Eis a resposta que ele deu e que eu repito.
 
17. Ou seja: a consequência é que muitos bispos e muitos padres não seriam católicos?
GABRIELE AMORTH: Digamos que não crêem numa verdade evangélica.
Portanto, sendo o caso, eu os acusaria de propagar uma heresia. Mas fique claro que alguém é formalmente herege se é acusado de alguma coisa e permanece no erro.
Hoje ninguém, pela situação que há na Igreja, acusa um bispo por não crer no diabo, nas possessões demoníacas e por não nomear exorcistas porque não crê.
Contudo, eu poderia dizer-lhe muitíssimos nomes de bispos e cardeais que logo que foram nomeados para uma diocese tiraram a todos os exorcistas tal faculdade. Ou bispos que sustentam abertamente: "Eu não creio nisso.
São coisas do passado". Por quê? Infelizmente porque houve a influência perniciosíssima de certos biblistas, e poderia citar-lhe muitos nomes ilustres. Nós que tocamos todos os dias o mundo sobrenatural sabemos que meteu a colher em tantas reformas litúrgicas.
 
18. Por exemplo?
GABRIELE AMORTH: O Concílio Vaticano II tinha comandado a revisão de alguns textos.
Desobedecendo a essa ordem, o que se quis foi refazê-los completamente.
Sem pensar que se podiam piorar as coisas em vez de melhorá-las. E tantos ritos foram piorados por essa mania de querer jogar fora tudo o que havia no passado e refazer tudo desde o começo, como se a Igreja tivesse até hoje sempre tapeado e enganado, e só agora tivesse chegado o tempo dos grandes gênios, dos superteólogos, dos superbiblistas, dos superliturgistas, que sabem dar à Igreja as coisas certas. Uma mentira. O último Concílio tinha simplesmente pedido a revisão desses textos, não a sua destruição.
O Ritual dos exorcismos, por exemplo: era para ser corrigido, não refeito.
Havia orações que têm doze séculos de experiência.
Antes de eliminar orações tão antigas e que por séculos demonstraram a sua eficácia, seria preciso pensar longamente. Mas não. Nós, os exorcistas, experimentando o Ritual "ad interim", vimos que são absolutamente ineficazes.
Também o Ritual do Batismo das crianças foi piorado.
Foi desvirtuado até quase eliminar o exorcismo contra Satanás, que sempre teve enorme importância para a Igreja, tanto que era chamado "exorcismo menor".
Contra esse novo rito protestou publicamente também Paulo VI.
Foi piorado o novo Ritual de Bênçãos. Li minuciosamente todas as suas 1200 páginas. Pois bem, foi cuidadosamente tirada toda referência ao fato de que o Senhor nos protege de Satanás, que os anjos nos protegem do assalto do demônio.
Tiraram todas as orações que havia na bênção das casas e das escolas. Tudo tinha de ser benzido e protegido, mas hoje a proteção contra o demônio já não existe, já não existem defesas e tampouco orações contra ele.
O próprio Jesus tinha-nos ensinado uma oração de libertação no pai-nosso: "Livrai-nos do Maligno. Livrai-nos da pessoa de Satanás". Em vernáculo foi traduzida de forma errônea, e agora se reza dizendo: "Livrai-nos do mal". Fala-se dum mal genérico, do qual no fundo não se sabe a origem. Ao contrário, o mal contra o qual Nosso Senhor Jesus Cristo tinha-nos ensinado a combater é uma pessoa concreta: é Satanás.
 
19. O Sr. tem um observatório privilegiado: tem a sensação de que o satanismo esteja difundindo-se?
GABRIELE AMORTH: Sim. Muitíssimo. Quando diminui a fé aumenta a superstição. Se uso a linguagem bíblica, digo que se abandona a Deus e se abraça a idolatria; se uso uma linguagem moderna, digo que se abandona a Deus para abraçar o ocultismo. A diminuição assustadora da fé em toda a Europa católica faz com que o povo se entregue às mãos de magos e cartomantes, enquanto as seitas satânicas prosperam. O culto do demônio é anunciado a massas inteiras através do rock satânico de personagens como Marilyn Manson, e atacam-se também as crianças quando jornais e quadrinhos ensinam a magia e o satanismo.
São muito difundidas as sessões espíritas, nas quais se evocam os mortos para ter respostas. Agora aprende-se a fazer sessões espíritas com o computador, com o telefone, com a televisão, com o gravador, mas sobretudo com a escritura automática. Já não há necessidade do medium: é um espiritismo "self service". Segundo as pesquisas, 37 por cento dos estudantes fez pelo menos uma vez o jogo do cartaz ou do copo, que é uma verdadeira sessão espírita. Numa escola em que me convidaram a falar, os jovens disseram que o faziam durante a aula de religião sob olhos complacentes do professor.
 
20. E funcionam?
GABRIELE AMORTH: Não existe diferença entre magia branca e magia negra. Quando a magia funciona, é sempre obra do demônio. Todas as formas de ocultismo, como esta grande atração pelas religiões do Oriente, com as suas tendências esotéricas, são portas abertas para o demônio. E o diabo entra. Rápido.
Eu não hesitei a dizer imediatamente, no caso da freira assassinada em Chiavenna e no caso dos dois jovens de Novi Ligure [trata-se de delitos que chocaram a Itália recentemente, n.d.tr.], que houve uma intervenção direta do demônio porque esses jovens se dedicavam ao satanismo. Prosseguindo a investigação a polícia descobriu, em ambos os casos, que esses jovens seguiam Satanás, tinham livros satânicos.
 
21. O que aproveita o demônio para seduzir o homem?
GABRIELE AMORTH: Ele tem uma estratégia monótona. Disse isso a ele, e ele o reconhece... Leva a crer que o inferno não existe, que o pecado não existe sendo só uma experiência mais a fazer. Concupiscência, sucesso e poder são as três grandes paixões nas quais Satanás insiste.
 
22. Quantos casos de possessão demoníaca encontrou?
GABRIELE AMORTH: Depois dos primeiros cem casos desisti de contar.
 
23. Cem? Mas são muitíssimos. O Sr. diz nos seus livros que os casos de possessão são raros.
GABRIELE AMORTH: E de fato são. Muitos exorcistas têm encontrado somente casos de males diabólicos. Mas eu herdei a "clientela" dum exorcista famoso como o Pe. Candido, e portanto os casos que ele não tinha resolvido ainda.
Ademais, os outros exorcistas mandam para mim os casos mais resistentes.
 
24. Qual o caso mais difícil que encontrou?
GABRIELE AMORTH: Estou tratando dele agora, e já faz dois anos.
É a mesma jovem que foi abençoada - não foi um exorcismo propriamente - pelo Papa em outubro no Vaticano e que causou sensação nos jornais. É atingida 24 horas por dia, com tormentos indescritíveis. Os médicos e os psiquiatras não conseguiam entender nada. É plenamente lúcida e inteligentíssima.
Um caso realmente doloroso.
 
25. Como a pessoa se torna vítima do demônio?
GABRIELE AMORTH: Pode-se cair nos males extraordinários enviados pelo demônio por quatro motivos. Ou porque isso consiste num bem para a pessoa (é o caso de muitos santos), ou pela persistência no pecado de modo irreversível, ou por um malefício que alguém faz por meio do demônio, ou por práticas de ocultismo.
 
26. Durante o exorcismo de possessos, que tipo de fenômenos se manifestam?
GABRIELE AMORTH: Lembro-me dum camponês analfabeto que durante o exorcismo me falava só em inglês, e eu precisava dum intérprete. Há quem mostra uma força sobre-humana, quem se eleva completamente da terra e várias pessoas não conseguem mantê-lo sentado. Ma é só pelo contexto em que se desenvolvem que falamos de presença demoníaca.
 
27. Ao Sr. o demônio nunca fez nada de mal?
GABRIELE AMORTH: Quando o cardeal Poletti me pediu para ser exorcista encomendei-me a Nossa Senhora. "Envolvei-me no vosso manto e estarei seguríssimo". O demônio fez-me tantas ameaças, mas nunca me causou dano algum.
 
28. O Sr. não tem medo do demônio?
GABRIELE AMORTH -. Eu, medo daquele estúpido? É ele que deve ter medo de mim: eu ajo em nome do Senhor do mundo. E ele é só o macaco de Deus.
 
29. Padre Amorth, o satanismo difunde-se cada vez mais. O novo Ritual torna difícil fazer exorcismos. Impede-se aos exorcistas a participação numa audiência papal na Praça de S. Pedro. Diga-me sinceramente: o que está acontecendo?
GABRIELE AMORTH: A fumaça de Satanás entra em todas as partes.
Em todas as partes!
Talvez tenhamos sido excluídos da audiência do Papa porque tinham medo de que tantos exorcistas conseguissem expulsar as legiões de demônios que se estabeleceram no Vaticano.
 
30. Está brincando, não?
GABRIELE AMORTH: Pode parecer um modo de dizer, mas creio que não seja. Não tenho dúvida alguma de que o demônio tenta sobretudo os postos altos da Igreja, como tenta os postos altos da política e da indústria.
 
31. Está dizendo que também aqui, como todas as guerras, Satanás quer conquistar os generais adversários?
GABRIELE AMORTH: É uma estratégia vencedora. Sempre se tenta efetuá-la.
Sobretudo quando as defesas do adversário são fracas. E também Satanás tenta. Mas ainda bem que existe o Espírito Santo que sustém a Igreja: "As portas do inferno não prevalecerão". Apesar dos abandonos.
Apesar das traições, que não devem surpreender. O primeiro traidor foi um dos apóstolos mais próximos a Jesus, Judas Iscariotes. Mas apesar disso a Igreja continua no seu caminho. Mantém-se em pé pelo Espírito Santo, portanto toda a luta de Satanás pode ter somente sucesso parcial. Claro, o demônio pode vencer algumas batalhas. Inclusive importantes. Mas jamais a guerra.

terça-feira, 26 de março de 2024

Código Musical da Igreja (Motu Proprio de Pio X)

MOTU PROPRIO - TRA LE SOLLECITUDINI  DO SUMO PONTÍFICE
PIO X
SOBRE LA MÚSICA SAGRADA (SOBRE A MÚSICA SAGRADA)
   
Entre os cuidados  próprios do ofício pastoral, não somente desta Cátedra, que por inescrutável disposição da Providência, ainda  que indigno, ocupamos,  como também de toda Igreja particular, sem dúvida um dos  principais é o de manter e procurar o decoro na casa do Senhor,  onde se celebram os augustos mistérios da religião e  se junta o povo cristão a receber a graça dos sacramentos, assistir ao santo sacrifício do altar, adorar ao augustíssimo Sacramento do Corpo  do Senhor e unir-se à comum  oração da Igreja nos públicos e  solenes ofícios  da  liturgia. 
Nada, por conseguinte, deve  ocorrer  no templo que turbe,  nem sequer  diminua,  a piedade e  a devoção dos fiéis;  nada que dê fundado motivo de  desgosto ou escândalo;   nada, sobretudo, que diretamente ofenda o decoro  e a santidade dos sagrados ritos e, por este  motivo,  seja indigno da casa de oração e a majestade divina.  
Agora  não vamos falar um por  um dos abusos que podem ocorrer nesta matéria;  nossa  atenção se fixa  hoje somente em um dos mais gerais,  dos mais difíceis de erradicar, em um que talvez deva deplorar-se   ainda ali de todas as demais coisas são dignas de  maior louvor  pela beleza  e suntuosidade do templo, pela  assistência de grande número de eclesiásticos, pela  piedade e gravidade dos ministros  celebrantes:   tão grande é o abuso em  todo o concernente ao canto e à musica sagrada. 
E em verdade, seja pela natureza desta arte, flutuante e variável, ou pela sucessiva alteração do gosto e dos costumes no transcurso do tempo, ou pela influência que exerce  a arte profana e teatral no sagrado, ou pelo prazer que diretamente produz a música e que nem sempre pode-se conter facilmente dentro dos justos limites, ou, em última análise, pelos muitos prejuízos que nesta matéria insensivelmente penetram e logo tenazmente se arraigam  até no ânimo de pessoas autorizadas e piedosas. O feito é que se observa uma tendência pertinaz a apartá-la da reta norma, assinalado   pelo fim com que a arte foi admitida ao serviço do culto e expressada com bastante clareza nos cânones eclesiásticos, nos decretos dos  concílios gerais e providenciais e as repetidas resoluções das Sagradas  Congregações romanas  e dos Sumos Pontífices, nossos predecessores.
Com verdadeira satisfação da alma nos  é grato reconhecer o muito bem que nesta matéria se há conseguido durante os últimos decênios   em  nossa ilustre cidade de Roma e em diversas  igrejas de nossa pátria;  porque de modo particular em algumas nações, onde   homens ilustres, cheios  de zelo pelo culto divino, com a aprovação da Santa Sé e  a direção dos  bispos, se uniram em  florescentes sociedades e restabeleceram plenamente  a  honra da arte sagrada em quase todas as suas igrejas e capelas. Porém,  ainda  dista  muito este bem de ser geral,  e se consultarmos nossa   experiência pessoal e ouvirmos  as  muitíssimas  queixas de  que todas as  partes nos foram dirigidas pelo pouco tempo passado  desde que  servimos ao Senhor,  elevo  a nossa  humilde pessoa à suma dignidade do apostolado romano, cremos  que nosso  primeiro dever é levantar a  voz  sem mais adiamentos na reprovação e condenação de  quanto as solenidades do culto e dos ofícios sagrados  resulte  desacordo com a  reta norma  indicada.  
Sendo, em verdade, nosso  vivíssimo  desejo que o verdadeiro espírito  cristão volte a florescer num todo e  que  em  todos os fiéis se mantenha, o  primeiro  é  promover  a  santidade  e dignidade do templo, de onde  os fiéis  se  juntam precisamente  para adquirir esse  espírito  em  seu primeiro e  insubstituível manancial, que é a participação ativa  nos  sacrossantos mistérios e  na  pública e solene  oração da  Igreja.  
E em vão  será  esperar que para tal fim desça  copiosa sobre nós as bênção do céu, se nosso obséquio ao Altíssimo não sobe com odor de  suavidade;  antes bem,   põe-se  na mão do Senhor o  chicote  com que o Salvador do  mundo mandou embora do  templo a seus  indignos  profanadores.   
Por  este  motivo,  e para  que  de  hoje em diante ninguém alegue  a desculpa de não conhecer  claramente  sua obrigação  e tirar  toda  dúvida na interpretação de algumas coisas  que estão mandadas,  estimamos convenientemente  assinalar com brevidade  os princípios  que regulamentam a  música  sacra nas solenidades  do culto e sintetizar  ao mesmo tempo,  como em um quadro, as principais  prescrições  da Igreja contra os abusos  mais  comuns que se cometem nesta matéria.  Por seu o  motu proprio  ciência  certa publicamos  nossa  Instrução, a qual, como se fosse  Código jurídico da música sagrada, queremos com toda  a  plenitude  de nossa  Autoridade Apostólica se  reconheça  força de lei, impondo a  todos por estas  letras de nossa mão a  mais escrupulosa obediência.  
 
INSTRUÇÃO  ACERCA DA MÚSICA SAGRADA  
I. PRINCÍPIOS GERAIS  
1.  Como  parte  integrante  da  liturgia solene, a música sacra tende a  seu mesmo fim,  na qual  consiste  a glória de Deus  e  a  santificação e  edificação dos fiéis. A música  contribui  a  aumentar  o decoro e esplendor das  solenidades religiosas,  e  assim como seu ofício principal consiste em revestir-se  de adequadas melodias ao texto  litúrgico que  se propõe  à  consideração dos  fiéis, de igual maneira seu próprio fim  consiste  em  dar maior eficácia ao mesmo texto,   para que  por tal meio  se  excite mais  a  devoção dos fiéis e  se  preparem melhor para  receber os frutos da graça, próprios  da  celebração dos sagrados mistérios.  
2.  Por conseguinte,  a  música sacra deve ter  em  grau  eminente as  qualidades  próprias da  liturgia, convém saber:  a  santidade e  bondade das formas, de onde nasce espontâneo outro caráter seu:  a  universalidade.  
Deve  ser santa e, para tanto  excluir todo o  profano, e  não só em si mesma, senão da maneira  com que  a  interpretem os mesmos cantores. 
Deve  ter arte verdadeira, porque não é possível de  outro  modo que tenha sobre  o ânimo de  quem  a  ouve aquela  virtude que  se propõe  a Igreja a  admitir  em  sua liturgia  a  arte dos  sons.
Porém  também,  deve ser universal, no  sentido de que, ainda  que concedendo-se a toda  nação que admita  em suas composições religiosas aquelas formas particulares  que constituem o caráter específico de  sua própria  música, esta  deve  estar de tal modo  subordinada aos caracteres  gerais da  música sagrada,  que  nenhum fiel procedente de  outra nação,  experimente a ouví-la numa impressão que não seja boa.  

II. GÊNEROS  DA  MÚSICA SAGRADA
3.  Achando-se em  grau importante estas qualidades  no canto gregoriano, que é, por conseguinte, o canto próprio da Igreja romana, o único que a Igreja  herdou  dos  antigos  Padres, e que há custodiado zelosamente durante o curso dos  séculos em  seus códigos litúrgicos, e que em algumas  partes da  liturgia prescreve exclusivamente, e que estudos  recentíssimos  tem  restabelecido, felizmente  em  sua pureza e integridade.  
Por estes motivos, o canto gregoriano foi tido  sempre como acabado modelo de música religiosa, podendo formular-se com toda razão esta  lei geral:  Uma composição religiosa será mais  sagrada e  litúrgica quanto mais se aproxima do ar,  inspiração e sabor  da melodia gregoriana e será tanto menos  digna do templo quanto mais  se distanciar deste modelo soberano.   
Por este motivo,  o antigo canto gregoriano tradicional deverá  restabelecer-se amplamente nas solenidades do culto;  tendo-se por bem  sabido  que  nenhuma  função religiosa perderá nada de  sua solenidade ainda que não se  cante nela  outra  música que a gregoriana. 
Procure-se, especialmente, que o povo volte a  adquirir  o costume de  usar do canto gregoriano, para que os fiéis tomem de novo parte  mais ativa  no ofício litúrgico, como o faziam antigamente. 
4.  As  supracitadas  qualidades  encontram-se  também em grau elevado na   polifonia  clássica, especialmente no da escola romana, que o século XVI  legou  a meta da  perfeição com as obras de  Pedro Luiz da Palestrina e que logo continuou  produzindo composições de excelente bondade musical e litúrgica. 
A polifonia clássica se  aproxima bastante do canto gregoriano, supremo modelo de toda a música sagrada, e por esta razão mereceu ser  admitida, junto com aquele  canto,  nas funções mais solenes da Igreja, como são as que se celebram na capela  pontifícia.    
Por conseguinte, também esta música deverá restabelecer-se copiosamente nas solenidades religiosas, especialmente nas  basílicas  mais  insignes,  nas igrejas, catedrais e  nas dos seminários e institutos eclesiásticos, onde  não costumam  faltar os meios necessários. 
5. A Igreja  tem reconhecido e fomentado em todo o tempo os progressos  das  artes, admitindo no serviço do culto, quanto no curso dos séculos, a inteligência tem sabido encontrar o gênero  bom e belo, salvando sempre a lei  litúrgica; por conseguinte, a música mais moderna se  admite na Igreja, posto que conta  com composições de  tal bondade,  seriedade e  gravidade, que de nenhum modo  são indignas das  solenidades religiosas. 
Porém, como a  música  moderna é principalmente profana,  deverá cuidar-se  com maior esmero que as composições musicais de  estilo moderno  que se admitam  nas igrejas não contenham nenhuma coisa profana nem ofereçam  reminiscências de  motivos  teatrais, e não estejam compostas  tampouco em sua forma  externa imitando  a feitura das composições profanas. 
6. Entre os vários  gêneros  da  música moderna, o que menos  parece adequado às funções do  culto é  o teatral, que  durante  o século passado  esteve  muito em voga, singularmente na Itália. 
Por sua mesma  natureza, este gênero oferece  a  máxima  oposição ao canto  gregoriano e  a polifonia clássica,  e por fim,  às condições mais importantes de  toda  boa  música sagrada, além do que  a  estrutura, o ritmo e o chamado convencionalismo deste gênero se acomodam muito fracamente  às  exigências da verdadeira música sagrada.  
 
III. TEXTO LITÚRGICO
7.  A língua  própria  da  Igreja  romana  é a latina, pelo qual está proibido que nas solenidades litúrgicas  se cante coisa alguma em  língua vulgar, e muito mais  que se cantem em língua vulgar as  partes variáveis ou comuns  da  missa e  do ofício. 
8. Estando determinados para cada função litúrgica os textos que  hão de se por  na  música  e  a ordem em que se devem  cantar, não é licito alterar  esta ordem, nem  trocar  os textos prescritos por outros de  eleição privada, nem omití-los inteiramente ou em parte, como as rúbricas  não consentem que se supra com o órgão certos  versículos, senão que estes hão de recitar-se simplesmente no coro. Porém é permitido, conforme o costume da Igreja romana, cantar um motete ao Santíssimo Sacramento depois do Benedictus da missa solene, como se permite que,  logo ao cantar o ofertório próprio da missa,  possa cantar-se no tempo que fique até o prefacio  um breve motete com palavras aprovadas pela Igreja.
9.  O texto litúrgico há de se cantar como está nos livros,  sem alterações  ou pós posições de  palavras, sem repetições indevidas, sem separar  sílabas, e sempre com tal claridade que  possam entendê-lo os fiéis. 

IV. FORMA  EXTERNA  DAS COMPOSIÇÕES SAGRADAS
10.  Cada  uma  das partes da  missa e  do ofício devem conservar  musicalmente o conceito e a forma  que a tradição eclesiástica lhes tem dado e  se conservam bem expressadas no canto gregoriano;  diversa é, por conseguinte, a maneira de compor-se  um intróito, um gradual, uma antífona,  um salmo, um hino, um Gloria in excelsis, etc.  
11. Neste  particular observem-se as  normas  seguintes:
A) O Kyrie, Gloria, Credo, etc.,  da  missa devem conservar a unidade  de composição que corresponde a  seu texto.  Não é, portanto, lícito compô-los em peças  separadas, de maneira  que cada uma  delas  forme uma composição musical completa,   e tal que possa  separar-se das restantes e reajustar-se com outra.  
B) No ofício de  vésperas devem seguir-se  ordinariamente as disposições do Caeremoniale episcoporum, que  prescreve o canto gregoriano para a salmódia e  permite  a  música figurada nos versos  do  Gloria Patri e no himno. 
Porém, será lícito nas maiores solenidades  alternar, com o canto gregoriano do coro, o chamado de  contraponto,  ou com versos de  parecida  maneira convenientemente compostos.  
Também poderá  permitir-se  alguma  vez  que cada  um dos salmos se ponha  inteiramente na música, sempre que em sua composição se conserve  a  forma própria  da salmódia;   isto é,  sempre que  pareça que os cantores salmodiam  entre si,  já com  motivos  musicais novos, já com motivos  sacados do canto gregoriano,  ou imitados deste.   
Porém  ficam para sempre excluidos e  proibidos os salmos chamados de concerto.  
C) Nos hinos da  Igreja  conserve-se  a  forma  tradicional dos mesmos. Não é, por conseguinte, lícito  compor, por exemplo, o  Tantun Ergo de  maneira que a primeira  estrofe  tenha a forma  de  romanza, cavatina ou adagio,  e o Genitori  de Allegro. 
D) As  antífonas de  vésperas devem ser cantadas ordinariamente com a melodia gregoriana que lhes é própria; mas se em algum caso particular venham a  ser  cantadas com música, não deverão ter, de nenhum modo, nem a forma de melodia de concerto, nem a  amplitude de um motete ou de uma  cantata.

V. CANTORES
12. Exceto  as  melodias próprias  do celebrante  e dos ministros, as quais  hão de  se cantar sempre com música gregoriana,  sem nenhum acompanhamento de  órgão, tudo o mais do  canto litúrgico é próprio do  coro de levitas;  de maneira que os  cantores da igreja,  ainda  que quando  sendo seculares, fazem propriamente o ofício de  coro religioso. 
Por conseguinte, a  música  que for executada deve, quando menos em  sua máxima  parte, conservar o caráter de  música de coro. 
Com isto não se  entende excluir absolutamente os solos;  mas  estes  não devem predominar de  tal sorte que absorvam a  maior  parte do  texto litúrgico,  senão que devem ter o caráter de uma simples frase melódica e estar intimamente ligado ao resto de  uma composição coral. 
13.  Do mesmo princípio se deduz-se  que os cantores desempenham na Igreja  um ofício litúrgico;  pelo qual  as mulheres, que são incapazes de desempenhar tal ofício, não podem ser admitidas a formar parte do coro ou a capela  musical.  E se querem  ter vozes  agudas de tríplices e contraltos, deverão ser crianças, segundo uso antiquíssimo  da Igreja. 
14. Por último, não se admitam nas  capelas de  música senão homens de conhecida  piedade e probidade de  vida, que  com sua modesta e religiosa atitude de vida durante as solenidades litúrgicas se  mostrem dignos do santo ofício que desempenham.  Será, além disso, conveniente que,  enquanto cantam na Igreja, os músicos vistam  hábito talar e sobrepeliz,  e que,  se o coro se  encontra muito à  vista do público,  se apresentem vestidos. 

VI. ÓRGANO E INSTRUMENTOS  
VI . ÓRGÃO E  INSTRUMENTOS
15.  Se bem ser a  música da Igreja  exclusivamente vocal,   não obstante,  também se  permite a música com acompanhamento de  órgão.  Em algum caso particular,  nos termos devidos e com os devidos  aconselhamentos, poderão assim mesmo admitir-se outros instrumentos;  mas não sem  licença especial do Ordinário, segundo prescrição do  Caeremoniale episcoporum.  
16.  Como o canto deve  dominar sempre, o órgão e  os demais  instrumentos  devem  sustentá-lo sensivelmente, e não oprimí-lo.  
17.  Não  está  permitido  antepor  ao  canto  largos  prelúdios ou interrompê-lo com peças de intermédio.
18.  No acompanhamento do  canto, nos prelúdios, intermédios e  demais  passagens  parecidas, o órgão deve  tocar-se  segundo a índole  do mesmo instrumento, e deve  participar de todas as qualidades da  música sagrada  recordadas  precedentemente.
19.  Está proibido nas igrejas o uso do piano, assim como de todos  os  instrumentos  fragorosos  ou ligeiros, como o tambor, o  chinesco,  os pratos e outros semelhantes.
20.  Está rigorosamente  proibido  que as chamadas  bandas de música toquem nas igrejas, e só em algum  caso especial,  suposto o consentimento do  Ordinário, será permitido admitir um número ajuizadamente escolhido,  pequeno e  proporcional ao ambiente, de instrumentos de  sopro, destinados  a  executar composições ou acompanhar o canto, com música escrita em estilo grave, conveniente e em todo parecida ao do órgão.  
21.  Nas  procissões que  saiam da  igreja, o Ordinário poderá permitir assistência das  bandas de música,  de tal forma que não executem composições profanas.  Seria de  apetecer  que em tais  ocasiões as ditas  músicas  se  limitassem a  acompanhar  algum  hino religioso, escrito em latim ou em língua vulgar, cantado pelos  cantores e  piedosas  confrarias  que  assistem à procissão.

VII. EXTENSÃO DA MÚSICA RELIGIOSA 
22.  Não é  lícito que por razão  do  canto  ou da música se  faça de  esperar  ao sacerdote  no altar mais tempo do que exige a liturgia.  Segundo as prescrições da Igreja, o  Sanctus  da  missa deve  terminar-se de cantar antes da elevação, apesar do qual,  neste ponto, até  o  celebrante deve  ter  que estar dependendo da  música. Conforme a  tradição gregoriana, o Gloria  e  o Credo devem ser relativamente breves. 
23.  Em geral, há  de  condenar-se  como abuso gravíssimo que, nas funções religiosas,  a liturgia caia em lugar secundário e  como ao  serviço da música, quando a  música forma parte da  liturgia e não é  senão sua humilde serva.  

VIII. MEIOS  PRINCIPAIS
24.  Para o pontual  cumprimento de quanto aqui fica disposto, nomeiem os bispos, se não os houver já nomeado,  comissões especiais de  pessoas verdadeiramente competentes em coisas  de  música sagrada, as quais,  na maneira  que julguem mais  oportuna,  se  encomende o encargo de vigiar quanto se refere a música  que se executa  nas igrejas.  Não cuidem  só  de  que a música seja  boa em si, senão  de que  responda  às  condições dos cantores e se boa a execução.  
25. Nos seminários de  cléricos e  nos institutos eclesiásticos se há de cultivar  com amor e diligência, conforme as  disposições do Tridentino,  o já  louvável  canto gregoriano tradicional, e nesta matéria sejam os superiores  generosos  de  estímulos e elogios com seus  jovens  súditos. Assim mesmo, promova-se com o clero, onde  seja  possível, a fundação  de uma Schola cantorum para a execução da polifonia sagrada e  da boa música litúrgica. 
26.  Nas  lições de liturgia, moral e direito canônico que se explicam aos  estudantes de teologia, não deixar de  tocar naqueles  pontos  que mais especialmente se referem aos princípios  fundamentais  e  as regras da música sagrada, e procure-se completar a doutrina com instruções especiais  acerca da estética da arte  religiosa, para que os cléricos não saiam  do seminário alheios destas noções  tão necessárias  à  plena cultura eclesiástica. 
27.  Ponha-se  cuidado em  restabelecer, pelo menos nas igrejas principais, as antigas Scholae cantorum,  como  já se  tem feito  com excelente fruto em  bom número de localidades. Não será  difícil ao  clero verdadeiramente zeloso estabelecer  tais  Scholae até nas igrejas de  menor importância e de  aldeia;  antes bem,  isso lhe proporcionará o  meio de  reunir em torno de si a crianças e  adultos, com vantagem para  si  e  edificação do povo. 
28.  Procure-se  sustentar e promover de  melhor  modo onde já existam as  escolas  superiores de música, sagrada, e  concorra-se a  fundá-las onde  ainda não existam, porque é muito  importante que da Igreja mesma provenha  a  instrução de seus  maestros, organistas e cantores, conforme  os  verdadeiros princípios  da arte sagrada.  

IX. CONCLUSÃO
29.  Por último, se recomenda  aos  maestros  de capela, cantores eclesiásticos, superiores de  seminários, de institutos eclesiásticos e de comunidades  religiosas, aos párocos e reitores de igrejas,  aos  cônegos de  colegiatas e  catedrais, e sobre  tudo aos  Ordinários diocesanos, que favoreçam com todo zelo estas prudentes reformas,  desde há muito  desejadas e  por todos unanimemente pedidas, para que  não caia no desprezo a  mesma  autoridade da Igreja,  que repetidamente as tem  proposto e  agora de novo as  inculca. 
Dado  em nosso Palácio apostólico do Vaticano na  festa  da virgem e mártir Santa Cecília, 22 de  novembro de  1903, primeiro  de nosso  pontificado. 

SÃO TITO, BISPO


Comemoração Litúrgica:  06 de fevereiro.
 

         Celebra-se hoje a festa de São Tito, dileto discípulo de São Paulo e companheiro do mesmo nas viagens apostólicas. Pagão de nascimento, jovem ainda, se converteu e recebeu o santo Batismo. Encarregado pelo Apóstolo de importantes missões, foi duas vezes a Corinto, uma vez a Jerusalém, para entregar a importância de uma coleta em favor dos cristãos. Em 64 ou 65 foi com o Apóstolo à ilha de Creta, e nomeado Bispo daquela região. Provavelmente, em tempo de inverno: 65 ou 66 visitou Paulo em Nicópolis; ainda uma vez quando este se achava preso em Roma; mais tarde na Dalmácia. Foi a ilha de Creta que recebeu do seu mestre uma carta, que figura entre os escritos canônicos do Novo Testamento. Sobre o resto de sua vida e sua morte nada sabemos. Segundo a tradição teria conservado a virgindade até a morte. Tito morreu de morte natural, na idade de 90 anos, em 105 mais ou menos. 
Na Igreja sua festa e celebrada em 25 de agosto.

sexta-feira, 22 de março de 2024

São Timóteo, Bispo e Mártir


Comemoração Litúrgica:  26 de janeiro.
Os termos elogiosos com que São Paulo enaltece as virtudes de seu discípulo Timóteo, são provas do alto valor do mesmo. Nas epístolas do Apóstolo das gentes lemos expressões como: meu diletíssimo filho, meu fiel colaborador, servo de Cristo, meu Irmão e Servo de Deus no Evangelho, que não procura a si, mas a Cristo, Nosso Senhor – todas referentes a Timóteo.
Timóteo nasceu em Listra, na Licaônia. O pai era pagão, casado com uma hebréia, de nome Eunice, mãe de Timóteo. Eunice abraçou a religião de Cristo, quando São Paulo esteve em Listra. De sua mãe Timóteo recebeu o espírito cristão. Na sua segunda chegada a Listra, São Paulo levou consigo o jovem Timóteo, na travessia pela Ásia Menor. Timóteo tinha então apenas 20 anos. Os dois Apóstolos passaram pela Macedônia, pregaram aos Tessalonicenses, aos Filipenses e aos Beroenses. Os judeus expulsaram a São Paulo e ficou Timóteo continuando a obra da pregação. Mais tarde o vemos em Atenas, para onde o mestre o tinha mandado. Uma cruel perseguição, que viera sobre os cristãos em Tessalônica, fez com que Timóteo para lá voltasse, para confortar e consolar os irmãos em Cristo. De Tessalônica se dirigiu a Corinto, onde novamente se encontrou com São Paulo. Coincide com esta época a composição da epístola de São Paulo aos Tessalonicenses. De Corinto continuaram a viagem e chegaram a Jerusalém e Éfeso. São Paulo mandou Timóteo e Erasto para Macedônia, com a ordem de arrecadar subsídios para os cristãos perseguidos em Jerusalém.
Havendo-se introduzido abusos na Igreja de Corinto, para lá voltou Timóteo, acompanhado de uma carta recomendatícia do mestre. (I Cor. 16, 10). Este o esperou na Ásia, para depois em sua companhia ir a Macedônia e Acáia. Voltando para a Palestina, o Apóstolo foi preso e passou dois anos na prisão. É provável que Timóteo tenha sido seu companheiro nesta nova provação. Paulo foi levado para Roma e Timóteo posto em liberdade. Quando Paulo voltou de Roma, Timóteo já era bispo, e nesta qualidade foi pelo mestre mandado para Éfeso, donde devia governar a Igreja da Ásia Menor.
Paulo achava-se na Macedônia, quando escreveu a I.ª epístola a Timóteo. Uma segunda foi escrita em Roma, em 65. Ambas as epístolas são documentos preciosíssimos, em que o grande Apóstolo revela a amizade que o ligava ao discípulo. Convida-o com muito empenho para que o visite em Roma e lhe dê a satisfação de vê-lo mais uma vez, antes de morrer; dá-lhe instruções úteis sobre o modo como se deve haver com os hereges; prediz novas heresias e suas conseqüências, (2 Tim. 31, 2).
Das epístolas de São Paulo deduzimos que Timóteo era muito mortificado. Sofrendo de fraqueza de estômago, o mestre aconselhava-o tomar de vez em quando um pouco de vinho.
São Timóteo é considerado primeiro Bispo de Éfeso, que lá se achava quando chegou São João Evangelista para assumir a direção das Igrejas da Ásia.
As atas do martírio de São Timóteo, que datam do quinto ou sexto século, dizem da sua morte o seguinte: No ano de 97, quando era imperador Nerva, os pagãos fizeram uma grande festa em homenagem aos deuses, e nesta ocasião organizaram um préstito, cometendo muitas indignidades. Timóteo, vendo esta abominação, pôs-se no meio dos idólatras e verberou-lhes energicamente o procedimento escandaloso. Esta franqueza apostólica provocou uma ira tal da parte dos pagãos, que se precipitaram contra ele e o mataram a pedradas e pauladas.
Reflexões:
O jejum era fiel e inseparável companheiro dos trabalhos apostólicos de São Timóteo. A Igreja impõe o jejum a seus filhos como uma lei de grave obrigação. Tantas porém, são as desculpas alegadas, que praticamente é um número reduzidíssimo de cristãos que a cumprem. O nosso tempo tem horror ao sacrifício. Quando então é um sacrifício imposto pela religião, qualquer motivo serve para muitos se lhe eximirem do cumprimento do mesmo. A praxe dos Santos é inteiramente diferente. Os Santos ligam muita importância às mortificações do corpo, privando-se voluntariamente de prazeres lícitos, para com maior facilidade se poderem afastar dos ilícitos. (São Gregório). Sem as mortificações da carne, será difícil, senão impossível, vencer e dominar as paixões. “Sinto em meu corpo uma outra lei, que contraria a lei do espírito”, confessa o próprio São Paulo. É o mesmo Apóstolo que diz: “Aqueles que pretendem pertencer a Cristo, devem crucificar a carne, com seus apetites”. (Gal. 5, 24). Se o Apóstolo São Paulo, se seu discípulo São Timóteo acharam necessário “castigar o corpo e reduzi-lo à servidão” (1. Cor. 9, 27), como podem então o jejum e a abstinência ser consideradas medidas exageradas de penitência, por aqueles que trazem constantemente no corpo a lei do pecado?
A Igreja não exige de seus filhos a execução de penitências que debilitem o organismo ou prejudiquem a saúde. Estão isentos da lei do jejum todos aqueles, que por causa da idade, de trabalhos pesados e de doença, não se acham em condições de cumpri-la. Mas aqueles outros que muito bem podiam jejuar, não deviam fazer uma interpretação mais larga da lei utilíssima e não procurar toda a sorte de desculpas para dela se eximir. Nos tempos em que os homens eram mais santos, mais puros e crentes, havia mais consciência também neste ponto, e a lei do jejum era observada com todo o rigor, sem murmuração alguma. Em nosso século, porém, que tem o estigma de material, sensual, tíbio e moderno; neste século, onde a sensualidade e a sede dos prazeres enchem a atmosfera, há reclamações, protestos e objeções de toda sorte contra a abstinência e o jejum. Que será de nós, se em vez de crucificar a nossa carne, cada vez mais a lisonjeamos? Grandes servos de Deus, na incerteza de salvar a alma, recorriam à penitência – e nós, infelizes escravos da concupiscência, vítimas das nossas paixões, pretendemos poder andar sossegadamente no largo caminho da perdição, procurando alarga-lo ainda mais? Como falou Cristo? “Estreita é a porta e apertado o caminho, que guia para a vida eterna”. (Mt. 7, 24).

Revelação do inferno por Santo Anselmo

1.
Jazem nas trevas exteriores. Pois, lembrai-vos, o fogo do inferno não emite nenhuma luz. Assim como, ao comando de Deus, o fogo da fornalha babilônica perdeu o seu calor mas não perdeu a sua luz, assim, ao comando de Deus, o fogo no inferno, conquanto retenha a intensidade do seu calor, arde eternamente nas trevas.
2. E uma tempestade que nunca mais acaba de trevas, de negras chamas e de negra fumaça de enxofre a arder, por entre as quais os corpos estão amontoados uns sobre os outros sem uma nesga de ar. De todas as pragas com que a terra dos faraós foi flagelada, uma praga só, a da treva, foi chamada de horrível. Qual o nome, então, que devemos dar às trevas do inferno, que hão de durar não por três dias apenas, mas por toda a eternidade?
3. O horror desta estreita e negra prisão é aumentado por seu tremendo cheiro ativo. Toda a imundície do mundo, todos os monturos e escórias do mundo, nos é dito, correrão para lá como para um vasto e fumegante esgoto quando a terrível conflagração do último dia houver purgado o mundo. O enxofre, também, que arde lá em tão prodigiosa quantidade, enche todo o inferno com o seu intolerável fedor; e os corpos dos danados, eles próprios, exalam um cheiro tão pestilento que, como diz São Boa
ventura, só um deles bastaria para infeccionar todo o mundo.

4. O próprio ar deste mundo, esse elemento puro, torna-se fétido e irrespirável quando fica fechado longo tempo. Considerai, então, qual deva ser o fétido do ar do inferno. Imaginai um cadáver fétido e pútrido que tenha jazido a decompor-se e a apodrecer na sepultura, uma matéria gosmenta de corrupção líquida. Imaginai tal cadáver preso das chamas, devorado pelo fogo do enxofre a arder e a emitir densos e horrendos fumos de nauseante decomposição repugnante. E a seguir imaginai esse fedor malsão multiplicado um milhão e mais outro milhão de milhões sobre milhões de carcaças fétidas comprimidas juntas na treva fumarenta, uma enorme fogueira de podridão humana. Imaginai tudo isso e tereis uma certa idéia do horror do cheiro do inferno.
5. Mas tal fedentina não é, horrível pensamento é este, o maior tormento físico ao qual os danados estão sujeitos. O tormento do fogo é o maior tormento ao qual o demo tem sempre sujeitado suas criaturas. Colocai o vosso dedo por um momento na chama duma vela e sentireis a dor do fogo. Mas o nosso fogo terreno foi criado por Deus para benefício do homem, para manter nele a centelha de vida e para ajudá-lo nas artes úteis, ao passo que o fogo do inferno é duma outra qualidade e foi criado por Deus para torturar e punir o pecador sem arrependimento.
6. O nosso fogo terrestre, outrossim, se consome mais ou menos rapidamente, conforme o objeto que ele ataca for mais ou menos combustível, a ponto de a ingenuidade humana ter-se sempre entregado a inventar preparações químicas para garantir ou frustrar a sua ação. Mas o sulfuroso breu que arde no inferno é uma substância que foi especialmente designada para arder para sempre e ininterruptamente com indizível fúria. Além disso, o nosso fogo terrestre destrói ao mesmo tempo que arde, de maneira que quanto mais intenso ele for mais curta será a sua duração; já o fogo do inferno tem esta propriedade de preservar aquilo que ele queima e, embora se enfureça com incrível ferocidade, ele se enfurece para sempre.
7. O nosso fogo terrestre, ainda, não importa que intensidade ou tamanho possa ter, é sempre duma extensão limitada; mas o lago de fogo do inferno é ilimitado, não tem praias nem fundo. E está documentado que o próprio demônio, ao lhe ser feita a pergunta por um soldado, foi obrigado a confessar que se uma montanha inteira fosse jogada dentro do oceano ardente do inferno seria queimada num instante como um pedaço de cera. E esse terrível fogo não aflige os danados somente por fora, pois cada alma perdida se transforma num inferno dentro de si mesma, o fogo sem limites se enraivecendo mesmo em sua essência. Oh! Quão terrível é a sorte desses desgraçados seres! O sangue ferve e referve nas veias; os cérebros ficam fervendo nos crânios; o coração no peito flamejando e ardendo; os intestinos, uma massa vermelha e quente de polpa a arder; os olhos. coisa tão tenra, flamejando como bolas fundidas.

8. Ainda assim, quanto vos falei da força, da qualidade e da ilimitação desse fogo é como se fosse nada quando comparado com a sua intensidade, uma intensidade que é justamente tida como sendo o instrumento escolhido pelo desígnio divino para punição da alma assim como do corpo igualmente. Trata-se dum fogo que procede diretamente da ira de Deus, trabalhando não por sua própria atividade, mas como um instrumento da vingança divina. Assim como as águas do batismo limpam tanto a alma como o corpo, assim o fogo da punição tortura o espírito junto com a carne.
9. Todos os sentidos da carne são torturados; e todas as faculdades da alma outro tanto: os olhos com impenetráveis trevas; o nariz com fétidos nauseantes; os ouvidos com berros, uivos e execrações; o paladar com matéria sórdida, corrupção leprosa, sujeiras sufocantes inomináveis; o tato com aguilhões e chuços em brasa e cruéis línguas de chamas. E através dos vários tormentos dos sentidos a alma imortal é torturada eternamente, na sua essência mesma, no meio de léguas e léguas de ardentes fogos acesos nos abismos pela majestade ofendida de Deus Onipotente e soprados numa perene e sempre crescente fúria pelo sopro da raiva da Divindade.
10. Considerai, finalmente, que o tormento dessa prisão infernal é acrescido pela companhia dos condenados mesmos. A má companhia, sobre a terra, é tão nociva que as plantas, como que por instinto, apartam-se da companhia seja do que for que lhes seja mortal ou funesto. No inferno, todas as leis estão trocadas lá não há nenhum pensamento de família, de pátria, de laços, de relações. O danado goela e grita um com o outro, sua tortura e raiva se intensificando pela presença dos seres torturados e se enfurecendo como ele.
11. Todo o senso de humanidade é esquecido. Os lamentos dos pecadores a sofrerem enchem os mais recuados cantos do vasto abismo. As bocas dos danados estão cheias de blasfêmias contra Deus e de ódio por seus companheiros de suplício e de maldições, contra as almas que foram seus companheiros no pecado. Era costume, nos antigos tempos, punir o parricida, o homem que havia erguido sua mão assassina contra o pai, arremessando nas profundezas do mar num saco dentro do qual também eram colocados um galo, um burro e uma serpente.
12. A intenção desses legisladores, que inventaram tal lei, a qual parece cruel nos nossos tempos, era punir o criminoso pela companhia de animais malignos e abomináveis. Mas que é a fúria dessas bestas estúpidas comparada com a fúria da execração que rompe dos lábios tostados e das gargantas inflamadas dos danados no inferno, quando eles contemplam em seus companheiros em miséria aqueles mesmos que os ajudaram e incitaram no pecado, aqueles cujas palavras semearam as primeiras sementes do mal em pensamento e em ação em seus espíritos, aqueles cujas sugestões insensatas os conduziram ao pecado, aqueles cujos olhos os tentaram e os desviaram do caminho da virtude? Voltam-se contra tais cúmplices e os xingam e amaldiçoam. Não terão, todavia, socorro nem ajuda; agora é tarde demais para o arrependimento.
13. Por último de tudo, considerai o tremendo tormento daquelas almas condenadas, as que tentaram e as que foram tentadas, agora juntas, e ainda por cima, na companhia dos demônios. Esses demônios afligirão os danados de duas maneiras: com a sua presença e com as suas admoestações. Não podemos ter uma idéia de quão terríveis são esses demônios. Santa Catarina de Siena uma vez viu um demônio e escreveu que preferia caminhar até o fim de sua vida por um caminho de carvões em brasa a ter que olhar de novo um único instante para tão horroroso monstro.
14. Tais demônios, que outrora foram formosos anjos, tornaram-se tão repelentes e feios quanto antes tinham de lindos. Escarnecem e riem das almas perdidas que arrastaram para a ruína. É com eles que são feitas, no inferno, as vozes da consciência. Por que pecaste? Por que deste ouvido às tentações dos amigos? Por que abandonaste tuas práticas piedosas e tuas boas ações? Por que não evitaste as ocasiões de pecado? Por que não deixaste aquele mau companheiro? Por que não desististe daquele mau hábito, aquele hábito impuro? Por que não ouviste os conselhos do teu confessor? Por que, mesmo depois de haveres tombado a primeira, ou a segunda, ou a terceira, ou a quarta ou a centésima vez, não te arrependeste dos teus maus passos e não voltaste para Deus, que esperava apenas pelo teu arrependimento para te absolver dos teus pecados? Agora o tempo para o arrependimento se foi. Tempo existe, tempo existiu, mas tempo não existirá mais!

15. Tempo houve para pecar às escondidas, para se satisfazer na preguiça e no orgulho, para ambicionar o ilícito, para ceder às instigações da tua baixa natureza, para viver como as bestas do campo, ou antes, pior do que as bestas do campo, porque elas, ao menos, não são senão brutos e não possuem uma razão que as guie; tempo houve, mas tempo não haverá mais. Deus te falou por intermédio de tantas vozes, mas não quiseste ouvir. Não quiseste esmagar esse orgulho e esse ódio do teu coração, não quiseste devolver aquelas ações mal adquiridas, não quiseste obedecer aos preceitos da tua Santa Igreja nem cumprir teus deveres religiosos, não quiseste abandonar aqueles péssimos companheiros, não quiseste evitar aquelas perigosas tentações. Tal é a linguagem desses demoníacos atormentadores, palavras de sarcasmo e de reprovação, de ódio e de aversão. De aversão, sim! Pois mesmo eles, os demônios propriamente, quando pecaram, pecaram por meio dum pecado que era compatível com tão angélicas naturezas: foi uma rebelião do intelecto; e eles, estes mesmos, têm que se afastar, revoltados e com nojo de terem de contemplar aqueles pecados indizíveis com os quais o homem degradado ultraja e profana o templo do Espírito Santo, e se ultraja e avilta a si mesmo.

quinta-feira, 21 de março de 2024

São João de Brito S. J., Mártir


Comemoração Litúrgica: 4 de fevereiro.


Filho de Salvador Pereira de Brito e Brites Pereira nasceu João de Brito em 1° de março de 1647, em Lisboa. Educado entre os pajens do Rei D. João, distinguiu-se sempre pela lhaneza do seu trato e delicadeza de consciência. Em seu coração nutria sempre o desejo de oferecer a Deus uma vida mais perfeita, pela observação dos conselhos evangélicos. Paralelo a este desejo ia a vontade de sacrificar sua vida como missionário das Índias. Foi esta aspiração, que o animou a entrar no postulado da Companhia de Jesus em São Roque. Contava ele 14 anos.
Fez lisonjeiros progressos nos seus estudos, e chegou a receber as ordens sacerdotais. Em uma das cartas que ao Superior Geral da Companhia dirigiu, e em que se externa sobre o íntimo desejo de sua alma, lê-se o seguinte trecho: “O desejo que tenho e que, dia e noite, me abrasa de ir às Índias para me empregar na salvação das almas, é tão veemente que, se pudesse renovaria todos os dias esta petição a V.ª Paternidade”.
Ordenado sacerdote, teve grande satisfação de ser mandado para as Missões da Índia. Em Goa se deteve alguns anos, completando os estudos teológicos. Terminados estes, iniciou a sua vida de missionário ativo na região Maduré. Qual outro Francisco Xavier, cujo apostolado glorioso lhe era o ideal, de corpo e alma se atirou aos múltiplos trabalhos da sua Missão, conservando-se sempre fiel no espírito do temor de Deus, na rigorosa observância das constituições e no amor pelas almas imortais.
Deus abençoou visivelmente o apostolado do seu servo. Aos milhares os hindus vieram aos pés do missionário jesuíta, professar-lhe a fé em Jesus Cristo e pedir o santo batismo. Os sacrifícios por ele feitos durante 20 anos de labor missionário, ele os viu recompensados na medida de cento por um.
O inimigo de todo o bem não podia ver isto de bons olhos; muito menos com a conversão de tantas almas podia ele se conformar. Os sacerdotes pagãos tramaram terrível perseguição ao apóstolo de Cristo, que um dia, quando menos por isso podia esperar, viu-se rodeado de uma corte inimiga, que o prenderam a ele e os seus companheiros. De mil modos os maltrataram, dando-lhe finalmente a morte pela espada. Amputaram-lhe ainda as mãos e os pés. O tronco com a cabeça foram em lugar público expostos ao ludíbrio do poviléu. As relíquias foram depositadas na igreja do Colégio dos Jesuítas em Goa, onde se acha também o corpo de São Francisco Xavier.
Em 17 de fevereiro de 1853, Padre João de Brito foi inscrito no elenco dos Bem-aventurados pelo Papa Pio IX. Em 27 de junho de 1947 foi canonizado pelo Sumo Pontífice Pio XII.
 

Reflexões:

 
“Para nós brasileiros, como bem acentuou o grande historiador Padre Serafim Leite, São João de Brito tem uma expressão que se não encontra em nenhum outro Santo e o torna em certo sentido nosso, porque nasceu num período em que Portugal e o Brasil constituíam uma unidade política (1647) e o seu pai Salvador de Brito Pereira ocupou o alto cargo de governador do Rio de Janeiro e ali faleceu em 1650.
Outro fato o liga ainda à nossa terra e à nossa gente, por ter ele próprio vivido algum tempo no Colégio dos Jesuítas da Bahia quando em 1687, já depois de ter padecido na Índia gravíssimos tormentos como confessor da Fé, ia a caminho de Portugal, no ofício de procurador de sua Missão.
A presença do mártir nesta Capital causou indiscutível abalo e inflamou os corações de alguns estudantes para seguir, na mesma Índia os seus exemplos e apostolado. E o movimento, assim iniciado, veio a desabrochar depois em expedições missionárias brasileiras, saídas desta Capital para a Índia no século XVIII, primeira e gloriosa manifestação do expansionismo externo do Brasil Católico”.
Cabendo a esta Cidade do Salvador a honra insigne de ter sido o único pedaço do solo brasileiro visitado por São João de Brito, merece aplausos a iniciativa dos portugueses que vão distingui-la com a primazia de possuir e venerar a primeira imagem do novo santo de Portugal, oferecida à Basílica da Conceição da Praia, pelos seus conterrâneos, que, na Bahia vivem e trabalham pela propagação da mesma fé que levou o Apóstolo de Maduré à glória do martírio.

terça-feira, 19 de março de 2024

Santa Faustina e a visão do inferno

Santa Faustina Kowalska, freira mística polaca (1905-1935), foi canonizada pelo Papa João Paulo II, na Festa da Divina Misericórdia, durante o Jubileu de 2000). 
"Hoje, conduzida por um Anjo, fui levada às profundezas do Inferno um lugar de grande castigo, e como é grande a sua extensão. Tipos de tormentos que vi:
1. Primeiro tormento que constitui o Inferno é a perda de Deus;

2. O segundo, o contínuo remorso de consciência;

3. O terceiro, o de que esse destino já não mudará nunca;

4. O quarto tormento, é o fogo que atravessa a alma, mas não a destrói; é um tormento terrível, é um fogo puramente espiritual, aceso pela ira de Deus;

5. O quinto é a contínua escuridão, o terrível cheiro sufocante e, embora haja escuridão, os demônios e as almas condenadas veem-se mutuamente e veem todo o mal dos outros e o seu.

6. O sexto é a continua companhia do demônio;

7. O sétimo tormento, o terrível desespero, ódio a Deus, maldições, blasfêmias.

São tormentos que todos os condenados sofrem juntos, mas não é o fim dos tormentos. Existem tormentos especiais para as almas, os tormentos dos sentidos. Cada alma é atormentada com o que pecou, de maneira horrível e indescritível . Existem terríveis prisões subterrâneas, abismos de castigo, onde um tormento se distingue do outro. Eu teria morrido vendo esses terríveis tormentos, se não me sustentasse a onipotência de Deus.
Que o pecador saiba que será atormentado com o sentido com que pecou, por toda a eternidade.
Estou escrevendo por ordem de Deus, para que nenhuma alma se escuse dizendo que não há inferno ou que ninguém esteve "lá e não sabe como é".
Eu, Irmã Faustina, por ordem de Deus, estive nos abismos para falar às almas e testemunhar que o Inferno existe. Sobre isso não posso falar agora, tenho ordem de Deus para deixar isso por escrito. Os demônios tinham grande ódio contra mim, mas, por ordem de Deus, tinham que me obedecer. O que eu escrevi dá apenas uma pálida imagem das coisas que vi. Percebi, no entanto, uma coisa: o maior número das almas que lá estão é justamente daqueles que não acreditavam que o Inferno existisse. Quando voltei a mim, não podia me refazer do terror de ver como as almas sofrem terrivelmente ali e, por isso, rezo com mais fervor ainda pela conversão dos pecadores; incessantemente, peço a misericórdia de Deus para eles. " Ó, meu Jesus, prefiro agonizar até o fim do mundo nos maiores suplícios a ter que vos ofender com o menor pecado que seja."

Consequências da alma ao ir ao inferno segundo Santa Faustina:

1) A perda de Deus
Então Ele dirá aos que estiverem à Sua esquerda: "Malditos, apartem-se de Mim" (Mt 25:41).
Aqueles serão punidos de uma perda eterna, afastados da face do Senhor e da glõria da Sua força (2 Ts 1:9).

2) O remordimento da consciência
O seu verme não morrerá (Mc 9,48).

3) O destino dos condenados nunca cambiará
"E estes irão para o castigo eterno" (Mt 25:46).

4) O fogo
"Malditos, apartem-se de mim para o fogo eterno" (Mt 25:41).

5) As trevas
Lancem-no para fora, nas trevas (Mt 22:13; Mt 25:30).

6) A companhia Satã
"Então Ele dirá aos que estiverem à Sua esquerda: 'Malditos, apartem-se de Mim para o fogo eterno preparado para o diabo e seus anjos." (Mt 25:41).

7) O desespero
Ali haverá choro e ranger de dentes (Mt 22:13; Mt)